Eu tinha uns seis anos, não fazia ideia de nada na vida, mas a memória já era boa.
Meu tio encostou o carro em frente ao condomínio.
O elevador parecia um portal mágico, que me levaria a um lugar encantado. As luzes eram fracas e lá fora só se ouviam os carros.
A mulher que abriu a porta era incomum pra mim. Alta, robusta, cabelos cacheados e cheios, um pouco abaixo dos ombros. Usava um vestido marrom, de mangas cumpridas, usava uma echarpe sobre os ombros, lembro de ser uma cor escura.
Ela era sorridente e expansiva. Elogiou meus olhos e me chamou pra entrar.
Não sei dizer ao certo o tamanho do apartamento, mas era mágico!
A música era linda, descobri anos depois que a voz linda era da Adriana Calcanhoto, pedindo que as cartas fossem rasgadas e o retrato devolvido.
Eu não sabia ali, mas eu amaria MPB. A sala era atulhada de discos e livros. As luzes baixas, janela fechada e a Adriana cantando e me encantando.
Não sei para onde meu tio e a mulher expansiva foram. Eu fiquei sentada ali, olhando para a estante, os livros, os discos e os porta- retratos.
Aquele sentimento estranho que eu conheci ali, mas só identifiquei tempos depois.
Ela aparece enquanto olho o retrato de um garoto.
-Esse lindinho aí é meu filho. - diz ela - Lindo né?
Eu apenas sorrio.
Saí dali como se deixasse um pedaço de mim.
Nunca mais a vi, não sei o seu nome e nem que o fomos fazer ali. Ainda hoje, adulta, cercada de livros, músicas e papéis, tenho vontade de voltar lá e buscar o que perdi.
O sentimento era solidão, melancolia, que eu descobri que eu gosto de sentir.
Todos os direitos reservados. Sarah Ribeiro.